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COMO SE FORA UM CONTO, é o título de pequenos contos que ao longo do tempo fui escrevendo.
Na sua maioria foram já publicados em jornais e em blogues.
Alguns são inéditos.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A MADRINHA NOÉMIA E O PADRINHO CARECA

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COMO SE FORA UM CONTO
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É domingo, princípio da tarde. Está calor. A rua está quase vazia. Alguns metros à minha frente, um casal passeia vagarosamente. No outro passeio, duas mulheres conversam calmamente. Dois carros passam por mim, lentamente. Ao domingo ninguém tem pressa. Excepto eu que vou com um andar ligeiro. Melhor, vou apressado. O passo estugado, marcial. Tenho de ir visitar uma pessoa que se encontra adoentada, o que faço quinzenalmente. Prometi-lhe que chegaria por volta das três, e já só faltam cinco minutos. Quase lá, abrando o andamento. Faço-o sempre. Aquela janela fascina-me. Ainda  mais desde que li a crónica “A Dona Olga e eu” de Lobo Antunes, que, confesso, me inspirou.
Aquela casa faz-me reviver o passado. As lembranças de hoje levam-me para mais de trinta anos de distância.
Passo à porta daquela casa, de quinze em quinze dias. Sempre ao domingo, sempre à tarde. A porta sempre fechada, a janela sempre entreaberta. Às vezes abrando o passo e quase paro. Num dia entrevi a cama, noutro a cadeira ao lado da cómoda, noutro o guarda vestidos. A cama sempre impecavelmente feita, a cadeira sempre na mesma posição, de esguelha, e a cómoda com inúmeras fotografias emolduradas das quais se destaca, pelo tamanho, a de um homem com óculos de aros redondos, ainda jovem e careca, de fato escuro.
O quarto, sempre o vi vazio. Sem saber porquê,

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A IGNORÂNCIA É POR VEZES FATAL

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COMO SE FORA UM CONTO
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Estariam cá ainda há relativamente pouco tempo, quando decidiram dar um outro rumo à sua vida. Tinham chegado com poucos recursos  e a vida não era fácil.
De aparência pacata, os dois amigos, pois que de dois se tratava, estudaram a maneira de, de uma vez por todas, ficarem bem de vida.
Escolheram companhias que lhes foram ensinando como e onde fazer.
Escolheram o local e a forma de executar.
Colheram o máximo de informações possível, e lá foram de abalada para o projecto da suas vidas. Sabiam tudo o que queriam, e como o queriam. Afinal lá na terra deles era assim, e aqui seria muito mais fácil.
Horas depois

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O MÊS DE JUNHO TERMINOU, JÁ ACABARAM AS FESTAS POPULARES - O SÃO JOÃO


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COMO SE FORA UM CONTO
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À minha direita o mar, lá ao longe, à minha frente uma parede de pedra e à minha esquerda as duas senhoras já entradas na idade terceira, que ciciavam. Sentadas uma ao lado da outra, à mesa do café, falavam em surdina dos tempos de antigamente. Em cima da mesa estavam guardanapos, uma torrada de pão de forma, uma mirita, uma meia de leite e um pingo.
O tema da conversa era a festa do São João, comparando a de agora, com a de outrora.
Na verdade pouco se entendia da conversa, apesar dos meus esforços de atenção e do meu esticar de orelhas para aquele lado, já que conseguiam falar bastante baixo.
No entanto lá pude perceber sobre que conversavam e apanhar uma ou outra ideia. Essencialmente, adoravam o Porto e a sua festa da noite de S. João, mas

sábado, 24 de julho de 2010

NATÁLIA, A CIGANA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Natália era cigana. Vivia num acampamento no meio do pinhal, lá para as bandas de Albergaria. Não teria mais de quinze anos e era muito bonita e vistosa.
Como qualquer uma na sua situação, passava por muitas dificuldades. Havia dias em que faltava a comida. Havia dias em que faltava todo o resto. Nesses dias ela sentia falta da escola onde já não ia há mais de quatro anos. O trabalho de apanhar gravetos no pinhal, de lavar a roupa da catrefada de irmãos, de procurar água para se lavar ou comida para se alimentar, de ajudar os pais na sobrevivência do dia a dia, eram mais importantes que a aprendizagem numa qualquer escola.
Natália tinha uma amiga dos tempos da escola. Leonor não era cigana

quinta-feira, 22 de julho de 2010

AS MINHAS FÉRIAS NA MONTANHA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Antigamente, no meu tempo de criança e de adolescente, os afortunados, como eu e meus primos, tinham férias na praia e férias no campo. Nós, os nove netos de meu avô paterno, tínhamos ainda férias na montanha. Éramos duplamente afortunados.
A praia era a de sempre, no Porto, na Foz, a praia de Gondarém. Habituei-me a ela como se fosse a minha roupa interior. Até aos dezassete ou dezoito anos, não conheci outra. Ao longo da vida, acabei por fazer praia em Matosinhos, em Leça, em vários locais do Algarve, e no Porto Santo. Mas sempre venceram, quando as comparava, as férias da praia de Gondarém.
Disso no entanto, falarei noutra altura.
As férias na praia duravam quase dois meses, às vezes mais. As férias no campo, tinham

terça-feira, 20 de julho de 2010

A VIZINHA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Qualquer pessoa que esteja no sítio certo, à hora certa, tem a possibilidade de testemunhar uma parte da história de todos nós.
Todas as histórias deveriam começar por “era uma vez…”.
Esta não foge à regra.
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Era uma vez uma rua que tinha uma rotunda mesmo ao fundo, e que tinha o nome de uma cidade do Magrebe.
Por lá parávamos, todos os fins de tarde em amena cavaqueira, o Zeca do gás, meu saudoso amigo que partiu cedo na vida e

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A TIA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Ter tios e tias, qualquer um tem, ter tios e tias como se fossem pais, é a sorte suprema, de que poucos se podem gabar hoje em dia!
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A tia, simplesmente tia, é uma das irmãs do meu pai. A Matriarca da família.
Havia outras, e outras ainda que não sendo irmãs eram igualmente tias. Para mim, havia a tia A, a outra tia A, a tia E, a tia H, a tia L e ainda outra que nunca conheci. Todas elas com nome, excepto esta tia. A Tia!
De todas, é a única que felizmente ainda anda por cá. Por isso, agora, é na verdade a tia. A minha tia. Minha e também de todos os outros sobrinhos que tem, e para quem é também e simplesmente, a Tia!
Pois a minha tia, a única que ainda tenho, sempre foi uma segunda mãe para todos os sobrinhos. Mesmo, e em especial, para