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COMO SE FORA UM CONTO, é o título de pequenos contos que ao longo do tempo fui escrevendo.
Na sua maioria foram já publicados em jornais e em blogues.
Alguns são inéditos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

AS FÉRIAS GRANDES

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COMO SE FORA UM CONTO
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No tempo da minha juventude, já lá vão muitos anos, e da de quase todos os que têm mais de trinta anos (os meus filhos mais velhos já têm), as férias grandes eram mesmo grandes. Tão grandes que, por vezes, nos víamos a pensar que nunca mais chegavam as aulas. Eram três meses inteirinhos, compridos, muito compridos, feitos de noventa dias a fazer pouco ou nada. Nessa altura, tínhamos, eu e os meus muitos primos e a maior parte dos meus amigos, a praia, desde as nove da manhã até mesmo ao final da tarde, uma estadia de uma ou duas semanas em casa de familiares no campo, e outras tantas em casa de outros familiares, na montanha. Mais tarde, na juventude dos meus filhos, as semanas na montanha tinham já acabado, com o desaparecimento dos familiares que por lá viviam.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PARA ESTES NÃO HÁ FUNERAIS DE ESTADO

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COMO SE FORA UM CONTO
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Conheci-a num Centro Comercial. Vendeu-me alguns artigos de que eu necessitava e alguns outros que eu não sabia que queria. A sua simpatia era contagiante e o seu sorriso alegrava a alma.

A conversa, essa, veio naturalmente, e ficamos como que amigos. Fiquei a saber que o trabalho era bom e gratificante, que gostava do que fazia e que fazia o que gostava. Só tinha vinte anos mas já trabalhava há perto de quatro. Por incapacidade económica não tinha estudado mais que até ao fim do ensino obrigatório. Talvez que um dia continuasse. Por agora, sentia-se bem assim. Estava a subir na carreira de empregada de balcão, e até já mandava em parte da sua secção. Para além disso, tinha outros interesses que lhe tomavam todo o tempo disponível.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O SENHOR ADÉRITO, ENGRAXADOR

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COMO SE FORA UM CONTO
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Já lá vão muitos anos, mas as lembranças fluíam com rapidez.
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Sentado à mesa de um café da baixa Portuense, olhei os meus sapatos e pensei em quanto me saberia bem que aquele café tivesse um engraxador. Apeteceu-me ter os sapatos limpos, escovados e a brilhar.
Se ao menos ainda houvesse engraxadores! Já há muito que os não via. Os últimos estavam naquela entrada de um prédio da rua Sampaio Bruno, quase em frente à Casa da Sorte. Havia também um ou dois, que paravam na Praça da Liberdade, quase na esquina da rua da 'engraxadoria'.
Antigamente, não havia café que não tivesse um, e havia trabalho para todos. Todo o homem que se prezasse gostava de ter os sapatos a brilhar. Hoje são raros, os engraxadores, já que sapatos a brilhar ainda os vai havendo, e homens que se prezem ainda há um ou outro.
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O sr Adérito era franzino,

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

AS DORES DA MINHA TRISTEZA E A DONA ANA DA CASA GRANDE

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COMO SE FORA UM CONTO
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Se estiver triste ou alegre ou se se sentir assim-assim, ou ainda se estiver mais sensível do que de costume, não leia. Esta é uma história penosa.
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É quase noite e é forte, a dor da tristeza. É sempre assim, não importando a razão porque se está triste. Desta vez em nada é diferente. Estou triste, e o tempo que tudo cura demora a passar.
É chato o estar triste. E ainda por cima as pessoas olham-nos de través e se tiverem oportunidade, fogem de nós. Para tristeza, basta-lhes a que carregam, não precisam de se aborrecer com a dos outros. Até eu me olho de través, e nessas alturas, se pudesse, ia-me embora de mim, e não voltava.
«Lembro-me que nos meus tempos de miúdo, perto da casa de meu avô, vivia uma senhora que estava sempre triste. Era uma mulher muito rica que vivia sozinha num enorme casarão, sem marido, sem filhos, sem qualquer familiar. Chamavam-lhe dona Ana da casa grande. À sua passagem, falava-se baixinho, comentando o que ninguém sabia. Amores antigos e impossíveis, diziam uns, enquanto outros se inclinavam para as hipóteses de assassinatos múltiplos, perpetrados pelo senhor da casa grande, pai da dona Ana, sobre um seu irmão que teria seduzido a pequena e sobre a mulher que teria ajudado a que tal se concretizasse, e que, cheio de remorsos, acabaria por se matar com um tiro de caçadeira de canos sobrepostos.
Por certo tudo invenções da populaça,

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A SRA D. ANÉSIA, O SR DR ANTUNES E O PRIMEIRO DE ABRIL

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COMO SE FORA UM CONTO
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Convivi com eles muitos anos, perto de vinte, para mais que não para menos. Viviam no primeiro andar do meu prédio. Foi para esse andar que, nos idos de 78, eu fui viver, separando-me da casa de meus pais.
Ela, muito católica, oriunda do norte Valenciano, de lábios finos e nariz adunco, ele, economista, ex-funcionário da alfândega, coleccionador de selos. Ambos de uma bondade extrema, de uma educação esmeradíssima, de idade avançada, silenciosos, reformados, amigos.
Sem filhos, mas com uma sobrinha que a cada passo aparecia e que era a luz dos olhos deles, não lhes conheci amigos ou outros familiares. Viviam sós, um para o outro, a maior parte do tempo na sala virada ao sol, de onde viam o arvoredo do Consulado e o quintal que numa parte também lhes pertencia.
Davam-se muito bem connosco, em especial

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A MINHA VIAGEM A PRAGA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Já há muito tempo que desejava ir à República Checa. Minha mulher, sabendo desse desejo, marcou uma viagem num semana de férias. Era agora. Estava a chegar o dia.
Com entusiasmo, procurei nas casas de câmbios e nos principais bancos, coroas para trocar por euros.  Não havia, nada, nenhuma. Mas informaram-me que, logo no aeroporto de Ruzyne, e também por todo a cidade, encontraria locais para esse câmbio. Fiquei descansado. Afinal, iria para uma cidade, para um país, pertencente à Comunidade Europeia.
Desde o fim da década de oitenta do século passado que se pode, com facilidade, visitar esta cidade, durante tanto tempo escondida pelo regime comunista.
Iria conhecer o