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COMO SE FORA UM CONTO, é o título de pequenos contos que ao longo do tempo fui escrevendo.
Na sua maioria foram já publicados em jornais e em blogues.
Alguns são inéditos.

sábado, 28 de maio de 2011

UMA HISTÓRIA SEM FIM

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COMO SE FORA UM CONTO
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Ia eu por ali a passar, subindo e descendo por uma ladeira acima, quando ouvi dois tiros. Pum!, Pum!. Horríveis, assustadores, medonhos.
Juntou-se muita gente, muita gente, muita gente, e eu também, ansioso, na esperança de ajudar a solucionar ou até mesmo resolver de uma vez o acontecido. Não se sabe se há mortos, feridos ou estropiados.
Os tiros, pum!, pum!, foram ouvidos a muitas léguas, e as gentes chegavam em catadupa.
O pum, pum dos tiros, terá chegado também aos ouvidos da autoridade que, lesta, enviou um agente para, de imediato, tomar conta da ocorrência.
Chegou o polícia e disse: - Está tudo preso!
- Menos eu, senhor guarda, eu não, disse eu.
- Então porquê?, retorquiu o agente da autoridade.
- Porque eu sei tudo!
- Sabe tudo?
- Sei sim senhor.
- Ora então conte lá!
- Olhe senhor guarda, disse eu pigarreando e aclarando a voz,

domingo, 1 de maio de 2011

O DIA DA MINHA MAMÃ



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COMO SE FORA UM CONTO
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De mão dada, passinhos curtos como convém, lá passeamos pelo jardim que ladeia a avenida,
a minha mamã e eu.
Não a minha mãe como agora se usa.
Fui habituado a trata-la por mamã. Nessa altura, a da minha juventude e aprendizagem da vida, de entre as minhas relações só dois dos meus amigos tratavam as respectivas mães por mãe.
“Ó mãe … “, diziam, e essa maneira de as tratarem fazia-me impressão. Parecia-me duro, ainda hoje me parece de uma excessiva dureza, ou melhor dito de uma excessiva falta de doçura. Mas aceitava, claro, como hoje aceito, embora hoje tudo seja diferente e esse tratamento se tenha banalizado.
Para mim, no entanto, eles eram diferentes de nós, conquanto amigos até hoje. Até no restante das suas maneiras de falar eu notava diferenças. Tinham uma pronúncia diversa da minha e tudo. Tinham nascido lá mais para o sul do País. Um era ribatejano, do meio dos cavalos e dos touros, e outro beirão, do sopé da serra grande. De qualquer modo o chamar a nossa mãe por mãe estendeu-se a todo o País e hoje, chama-la por mamã, quase não é “bem”. É lamechas, démodé, velho, antigo, diferente.
Não para mim. Para mim a minha mamã será sempre
a minha mamã.
Da mesma forma que o meu papá sempre foi o meu papá, e os meus filhos também me tratam assim, papá.
Seja como for, lá seguíamos de mão dada, a minha mamã e eu, à sombra dos plátanos e das tílias, devagarinho que a minha mamã já não consegue andar depressa, e só anda com ajuda.
Às vezes, muitas vezes, não sei se ela sabe que sou eu, o filho da minha mamã, que ali vai com ela, mão na mão. Se calhar já quase nunca sabe, mas sei que lhe sabe bem a minha mão, a minha voz, a minha presença.
Está pequenina, a minha mamã. Não que alguma vez tivesse sido grande, mas agora, mais curvada, mais encolhida, está mesmo pequenina, e quando a vejo assim, quando olho para os seus cabelos quase totalmente brancos e para os seus olhos semiabertos, não raras vezes me apetece pegar-lhe ao colo, afagá-la, falar-lhe baixinho ao ouvido e levá-la para um sítio bom, suave, acolhedor, onde eu soubesse que a minha mamã se fosse sentir muito bem. Mas não o faço pensando sempre no quanto seria esquisito fazê-lo em plena rua, com toda a gente a olhar e a não entender o que me teria levado a fazer tal.
Está velhinha a minha mamã.
Os anos já lhe pesam e o fim da sua viagem e a estação de destino não estarão já longe. Começou a sua caminhada final logo após a partida do meu papá, já lá vão vinte anos, e nunca mais se recompôs. Se de início se notava pouco, com o decorrer dos anos começou a ser evidente a sua vontade de se lhe reunir com brevidade.
Tenho saudades da minha mamã.
Tenho saudades do seu fino humor que a todo o momento se revelava em toda a sua pujança. Tenho saudades de a ver cuidar dos outros com um desvelo enorme. Tenho saudades de conversar e ouvir os seus conselhos, de a saber a única pessoa no mundo que realmente me conhecia e me compreendia e aceitava e…
Oficialmente, este é o dia das mamãs, da minha mamã. Não é o dia que ela sempre gostou, esse era em Dezembro, mas no fundo, o dia da minha mamã é cada um dos que passam, o de ontem, o de hoje e o de amanhã.
E de mão dada, lá continuamos o nosso passeio, à sombra dos enormes plátanos e das não menos grandes tílias do jardim que ladeia a avenida, passinhos curtos como convém.
Eu, curvado sobre a minha mamã sussurrando-lhe palavras doces ao ouvido, ela, com um sorriso de felicidade nos lábios.

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